Pare para pensar. Como era Salvador há oito anos atrás?
1996. Pela primeira vez a cidade elegia um candidato ligado ao grupo de ACM para prefeito da cidade. O Brasil acelerava a retomada de seu cinema, mas na Bahia a produção cinematográfica continuava nula. A chamada axé music dominava completamente todos os espaços, chegando a colocar 20/ 25 mil pessoas semanalmente em seus shows. Não sobrava espaço e oportunidades para artistas de outros estilos, apesar da existência de vários nomes de qualidade. O futuro era incerto e não havia grandes perspectivas.
Oito anos depois, mesmo muita gente não aceitando ou não querendo acreditar, os tempos são outros. Longe do que deveria ser, mas o tempo de atraso que Salvador e a Bahia vive, começa a ser recuperado. Salvador voltou a eleger um prefeito anti-carlista, colocou para secretários nomes de origens diversas, respeitados em suas ocupações anteriores. Agora olhe o último fim de semana. Compare com oito anos atrás. Teríamos um grande show no Espanhol. Cheiro de Amor e não sei quem. Asa de Águia e outra porcaria qualquer.
Sexta-feira passada, aconteceu mais uma vez o ensaio dos Mascarados. Bloco de Carnaval? É, eles ainda tem sua força. Mas o comando fica por conta de Margareth Menezes, que pode até não agradar radicais e fãs de rock, por exemplo, mas é sem dúvida um agrado aos ouvidos, por fornecer a seus espectadores uma boa coleção de hits de carnavais antigos, alguns sucesso dela própria e boas canções da música brasileira. Mais, recebeu como convidados uma das boas bandas dos anos 80 que permaneceram, os Paralamas (nessa sexta, melhor,ela recebe os caras do Los Hermanos).
No sábado, um evento meio mal idealizado. Numa mesma noite, misturaram Barão Vermelho, Charlie Brown Jr., Nação Zumbi e aquele tal de Márcio Mello. Quase água e óleo, visto os públicos distintos de cada atração. Mas ai penso. Oito anos trás seria possível uma noite dessas? Só bandas de rock, num espaço enorme, que costuma receber atrações do meio axé ou mais pop. Será que sei lá, 10 mil pessoas iriam para um show desses em Salvador anos trás?
Tudo bem, Barão é respeitado por todo mundo há um tempinho. Charlie Brown só é rock na embalagem e no rótulo. Tenho que aproveitar e falar do show do Charlie Brown Jr, aliás, Síndrome de Down Jr é o melhor apelido que a banda pode ter. A banda pode até ser competente, fazer bem feito o que se propõem, como acham alguns. Mas Chorão é um imbecil em cima do palco. Pra mim o show poderia ser resumido numa frase dita por ele. “Nós somos a pior banda do Brasil, mas temos o maior público”. Poderia ter dito “a gente é uma merda mesmo, mas vocês otários gostam” que teria o mesmo efeito. Mas nem tudo no rock pode ser bom e a banda santista sabe cumprir muito bem seu papel de uma das coisas mais sem graça, sem criatividade, personalidade e bobas da história do rock brasileiro.
Cabe dizer que quando entrei, tinha acabado de terminar o show do Barão Vermelho. Aliás, um grande erro botar os caras para abrir, como foi erro colocar Márcio Mello para tocar para ninguém no final. Não que ele não merecesse. O que valeu a noite mesmo foi o show da Nação Zumbi. Para alguns um show lento, sem vibração. Mas era questão de entrar no clima, pois a banda carrega no groove, em viagens sonoras, soando até psicodélica. Sucesso dos tempos de Chico Science se misturaram a músicas do último disco da banda, para encerrar com dois petardos: “Da Lama ao Caos” e “Quando a Maré Encher”. A Nação comprovou mais uma vez, mesmo num show mais curto que de costume, ser a melhor banda ao vivo do país.
No domingo, enquanto a Sala Walter lotava para se saber os finalistas do Vídeo 5 Minutos (o grande campeão foi um vídeo que mostrava um seqüestro de ACM e esculhambava a Tv Bahia – você imaginaria isso há oito anos atrás num evento promovido pela Fundação Cultural), Pitty promovia um evento ousado e de muito bom gosto na Concha Acústica.
Vou insistir. Pitty há oito anos era uma menina cantando numa banda de hardcore. O rock baiano até que encarou anos atrás um evento grandioso na Concha, o Bom Bahia. Mas e as perspectivas? Pitty acaba de chegar a 130 mil discos vendidos, ganhando disco de ouro, é sexto lugar em vendas em São Paulo, está gravando mais um clipe. A cena local já ultrapassa as fronteiras locais e qualquer festival que se preze no Brasil tem incluído alguma banda baiana. Retrofoguetes lançando disco no Goiânia Noise. The Honkers em festivais do interior de Pernambuco, um outro no Recife e preparando uma mega turnê que vai até a Argentina. Cascadura lançando mais um disco e tocando no Demo Sul, em Londrina.
Pitty recusou ofertas para fazer shows ao lado de bandas de blocos de carnaval e encarou bancar um show próprio reunindo o novo rock baiano. Admirável Rock Novo. Os endemoniados da Sangria, o punk divertido da Los Canos e o rock maldito brasileiro de Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta foram muito bem recebidos pelo público (que não era muito grande), formado em sua maioria por adolescentes que nem podem votar ainda. Um espaço aberto pela qualidade e ocupado com louvor pelos três grupos. É muito bom ver o público atento, dançando ou aplaudindo entusiasticamente bandas que tem qualidade de sobra, mas enfrentam um esquema complicado de ganhar público, por falta de visão de rádios, mídia e gravadoras.
Quando a dona da festa entrou o palco era como se fosse mais que um ídolo, mas a representante de algo maior. Não só do rock baiano, mas de se poder gostar de algo que não seja o padrão nessa bendita terra. É incontestável como as músicas de Pitty ganham peso, vigor e ainda mais qualidade ao vivo. Não é gratuito. Acompanhada de Peu (guitarras), Joe (baixo) e Duda (batera), a banda dá todo o suporte necessário para a estrela da noite desfilar, simpatia, carisma, uma voz calibrada, energia e uma atitude do caralho. Misturando músicas do disco, com citações (“Where´s My Mind- do Pixies), música novas (a bacana e pesada “Suas Armas”) e covers (“Deus lhe Pague” – Chico Buarque, “Candy” Iggy Pop, entre outras).
Para terminar num convite surpreendente. “Quero convidar ao palco uma das bandas mais importantes do rock baiano, Úteros em Fúria”. Apú, Wandinho, Mário Jorge e Marão em poucos minutos fizeram a velharada do rock presente (sim, boa parte do rock baiano foi prestigiar o sucesso de Pitty) relembrar uma das mais vibrantes performances de uma banda surgida por aqui, enquanto o público mais novo assistia a ensandecida participação com Peu e a banda detonando e finalizando com uma daquelas quebradeiras históricas que só o rock é capaz de proporcionar.