12/01/2003

Rock para quem não ouve rock

É sintomático. Formada nas divisões de base do rock baiano, Pitty definitivamente entrou na primeira divisão do mundo das guitarras no Brasil e volta para Bahia - pela segunda vez depois de sua explosão no sul do país - com moral para tocar num dos templos da axé music. A baianinha não se fez de rogada e mais uma vez comprovou que o estado dos atabaques também pode ser das guitarras. Bola dentro. Num show coeso, com Pitty acompanhada de feras do rock baiano (Duda na batera, ex-Lisergia; Joe no baixo, ex-Dead Billies e Peu nas guitarras, ex-Dois Sapos e Meio), mostraram que fazem rock de qualidade, com boas influências e peso suficiente para agradar o público sedento por barulho que foi ao Pier Bahia neste domingo.

Além de desfilar as músicas de seu disco, com destaque para os hits “Máscara” e “Admirável Chip Novo”, cantadas em coro pelo público, a banda fez ainda duas boas ações. A primeira em louvor ao rock baiano, levando ao palco duas de suas principais representantes, Nancyta e Rebeca Matta que cantaram juntas “Deus lhe Pague” (clássico de Chico Buarque). A segunda foi um favor aos bons sons e um presente para os adolescentes presentes, que podem nem ter dado muita atenção, mas a grande parte ouviu pela primeira vez uma música da antológica banda Velvet Underground e dos também muito bons Queens of Stone Age. Alguém imaginaria aquela baianinha que tocava numa banda de hardcore fazendo esse sucesso todo na terra que há um tempo atrás só dava atenção a balançar de bundas?

E para quem ainda duvida que rock aqui tem público e, melhor, um futuro promissor, bastava ver que estavam presentes mais de três mil pessoas e sua maioria não tinha mais de 18 anos. Rostos sem barba, gorros da moda, camisetas de Blink 182 a rodo e hormônios sedentos por barulho. Todos naquela fase que a exigência musical não ultrapassa o conhecimento da música que rola através das rádios ou da TV. Quase todo mundo passa na adolescência por uma fase de descoberta e de se inserir no que todo mundo está ouvindo. Nos dias de hoje, é o hardcore melódico que faz a cabeça. Então dá-lhe letras pretensamente bem feitas, guitarras jorrando barulho, peso na bateria e trilha-sonora perfeita para pular e gritar por hora as fio. Para quem ainda não conheceu os melhores sons do mundo do rock, pode ser apenas um começo.

É aí que aparecem as bandas não tão boas, mas com suas funções. Caso da CPM 22, responsável por abrir a festa no domingo. As letras quase todas travam diálogos “Eu” falando para “Você”, repetidas vezes. Falam quase sempre de amor, de forma bem básica, como a própria música. Herdeiros de um som que é sucesso pelo mundo desde os anos 90, um punkzinho pop e envernizado, a CPM 22 não tem um pingo de ousadia e as músicas são todas muito parecidas. Mas os fãs não se importam, querem mesmo se divertir. E rock é isso, ou não? Pois apesar de não mudar a vida de ninguém, a banda contribui para que aqueles meninos e meninas possam entrar num mundo diferente do que é induzido pela indústria. O rock pode não estar salvo, mas ouvindo e gritando junto com aqueles carinhas fazendo rock se abre um leque de novidades. Do CPM22 pula pro Planet Hemp, para o Ramones, daí para o mundo punk, depois se descobre o Stooges, o MC5, o Television, as bandas que estes influenciaram e não se pára mais. Esta é talvez a função dos CPM22s da vida.
Lampirônicos
Ponto também para o Lampirônicos, que fechou a noite com seu repertório rock, eletronices, ritmos afros e temperos nordestinos. Ganharam o público com covers rockers de Riachão, Carlinhos Brown e Raul Seixas. Renovados, com Vince no vocal, são uma boa aposta par ao rock baiano deslanchar ainda mais.