10/28/2004

Independência ou Morte!

A vizinha Aracaju mostrou no último fim-de-semana como o circuito alternativo vem crescendo e ganhando qualidade. A capital do menor estado do país sediou durante dois dias o festival Punka – Independência ou Morte, um evento independente, bem organizado, diverso e de altíssima qualidade. Vinte bandas em dois palcos e uma excelente estrutura colocam o Punka! definitivamente no mapa dos melhores festival do país. Bandas locais, de outras capitais do Nordeste, inclusive Salvador, e convidadas de outros estados consolidam um dos eventos mais interessantes para quem gosta de boa música.

Hilton Barbosa produtor do festival confirma, segundo ele, essa foi a melhor edição da história do evento. “Melhoramos a qualidade em todos os sentidos, principalmente em termos artísticos e de organização. As bandas se comportaram muito bem, foram muito profissionais, mesmo sendo independentes e tocando num palco grande. Elas trouxeram criatividade e preocupação na produção, numa prova que ser alternativo não significa ter uma produção ruim”, afirma.

Os dois palcos do festival foram instalados um ao lado do outro, colados, sem distinção entre um principal e outro secundário. Não havia favorecimento entre bandas, o som e a estrutura eram os mesmos, cabiam as bandas a função de agradar ou não. E quase 100% do que passou pelo palco agradou.

No primeiro dia (sexta feira, dia 22), o público era de cerca de 1.500 pessoas, formado em sua maioria por adolescentes vestidos de pretos e sedentos por hardcore e heavy metal, pratos principais da noite. As locais Urublues e Please No! fizeram as honras da casa abrindo bem o festival. O que seria marca e surpresa para muitos foi a qualidade da cena local, com várias bandas de respeito. Os Eloqüentes - um power trio de garotos novinhos vestido a rigor com gravatas - comprovaram a regra com um excelente show calcado nos sons setentistas e com alta dose pop.

Em seguida a melhor atração do primeiro dia. Com aparência de não mais do que 17 anos (na verdade, eles tinham entre 18 e 22), os integrantes da Triste Fim de Rosilene atropelaram todo mundo, com um hardcore rápido e vigoroso. Foram unanimidade, ganhando elogios e comentários de todos durante os dois dias de festival, inclusive dos que nem curtiam o estilo. Destaque para a presença de palco da vocalista Daniela, que tímida mal encarava o público, mas mandava vocais raivosos, e para o baterista Bubaloo, um monstro nas baquetas que tocou em três outras bandas no festival.

Os ecos do Mangue Beat, especialmente de Chico Science & Nação Zumbi, soaram no Espaço Emes, num formato que talvez já tenha se transformado num estilo. Claro que a impressão é de já ter visto aqueles sons em algum lugar, mas como qualquer banda de rock, tudo parece mera cópia, mas ouvindo com atenção, percebe-se identidade. Foi o caso dos baianos da Lampirônicos e os locais da Sulanca. Os primeiros entraram parecendo estar meio deslocados numa noite voltado para os sons pesados, mas não se importaram e levaram um bom show, chegando a agitar uma parcela do público, que entrou no clima e fizeram até quadrilha. O som da banda inclui sons urbanos tradicionais de Salvador misturado com rock e sons contemporâneos. A Sulanca agradava mais pelo peso percussivo que levava ao palco através de quatro percussionistas e um baterista, que somados a pífanos, triângulo, baixo e uma barulhenta guitarra atualizava os diversos sons tradicionais do Nordeste e do folclore sergipano. O resultado música brasileira regional para dançar.

Um dos nomes mais tradicionais do rock em Aracaju é Sílvio Campos, que mantém há duas décadas a banda Karne Krua. No Punka ele trouxe um de seus trabalhos atuais, a banda World´s Guerrilla, que canta em espanhol letras politizadas e raivosas em cima de um crossover interessante e agressivo, com doses de metal e hardcore. Já a Warlord não foi além do metal clássico, com tudo aquilo que a gente conhece, solos, gritos...e clichês, você sabe.

Mas os nomes principais da noite eram paulistas. O hardcore da Garage Fuzz e o heavy metal da Torture Squad. O Garage Fuzz entraram com sua porrada sonora e energia invejável, superior até a do público que aguardava o show, já cansado da maratona de shows. Tocando pela primeira vez na cidade, o grupo agradou muito, com um hardcore bem conduzido com duas guitarras fortes e um vocalista de presença. Já a Torture Squad reuniu os headbangers que restaram no local para apresentar aquela Trash/ Death Metal que os fãs do gênero veneram. Pena que foram recebidos com uma chuva inesperada.

Noite histórica

Já no começo da segunda noite de festival (sábado dia 23) já dava para sentir que o público seria muito maior (foram mais de quatro mil pessoas) que do dia anterior. A banda vencedora do Pré-Punka (concurso prévio de bandas) Sambacaitá foi responsável por abrir a noite. O rap tomou conta do palco em seguida, com a Família Ativista, um movimento de hip hop da periferia da capital sergipana. Levaram ao palco o rap mais tradicional, somente com as bases, batidas e intromissões das pick-ups dos djs e com cerca de dez MC´s soltando em versos fortes farpas contra a sociedade preconceituosa e discriminatória.


A banda Effe parecia estar desencontrada no palco, com um emocore sem muita graça e seguindo os clichês do gênero com um barulho sem muito sentido. Até essa hora o Punka não havia experimentado uma dose tão alta de rock quanto no show dos baianos da The Honkers. Nem o som, um pouco falho, atrapalhou a apresentação detonadora dos caras. O comentário em volta era: “Isso que é rock”. Mandaram petardos certeiros, com os dois guitarristas, o baixista e o baterista se divertindo com poucos no palco e fazendo um barulho dos infernos, como o diabo gosta. Sem falar no insano vocalista Rodrigo que fazia suas caras loucas, subia nos suportes do palco e de tanto agitar fez um enorme buraco no piso do palco. Encerraram quebrando (ou tentando quebrar) os pratos da bateria no chão. Na platéia, a garotada caiu definitivamente no rock, naquele que foi show mais agitado do festival. Isso sim é rock. Histórico.

A ótima Lacertae (uma dupla, com um vocalista guitarrista e um baterista que tocava ao mesmo tempo um berimbau) deveria ser escalada para tocar antes, mas é sem dúvida um dos grupos mais importantes de Sergipe e mostraram bem suas excelentes misturas esquisitas experimentais. Os pernambucanos da Vamoz trouxeram de volta o clima rock deixado pela Honkers e fizeram também um dos melhores shows do festival. Duas guitarras, um batera e muito rock. Em 40 minutos mostraram do que é capaz uma boa guitar band encharcada de noise de guitarras. Ainda teve a Oganjah uma banda de reggae completando a diversidade do festival.

Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta vem fazendo shows antológicos em Salvador e não foi diferente em Aracaju. Com uma caravana seguindo a banda, fizeram um show memorável, daqueles que marcam, público, banda e qualquer testemunha presente. A boa dose de música brasileira, com pitadas de samba, jazz e muito rock conquistou a todos. Se num futuro próximo, Ronei e sua trupe estiverem tocando em seu rádio o Punka teve responsabilidade nisso. Foram ovacionados e pela primeira vez em todo festival ouviu-se gritos de biz. Pena que não puderam tocar mais. A Snooze fechou com honra a participação sergipana, num belo show que criou o clima com canções indie rock de primeiríssima.

A Los Hermanos entrou com o campeonato ganho, mas não fizeram a melhor partida deles. Um bom show, mas um pouco morno, talvez reflexo do cansaço da banda e do público. Assim mesmo agradou em cheio aos fãs que cantaram entusiasticamente tudo e aplaudiam até um olá. Sem precisar se esforçar muito, a banda desfilou a série de hits, num show bonito e simpático. A novidade foi a inclusão de “Santa Chuva”, de Marcelo Camelo, que até então só era conhecida na voz de Maria Rita. Fecharam muito bem o festival, que consolida um novo pólo de bandas (bastava ver as dezenas de Cds circulando no local) e sede de um dos festivais mais bacanas do país. Longa vida ao Punka.